CrônicA DA SEMANA
A METADE QUE NÓS ESCONDEMOS
Burke Ryan, no filme “O amor acontece”, escreve um
livro sobre perda. Ele que perdeu sua mulher num acidente fatal, decide o que
fazer com aquela dor, um livro, claro, uma forma de transmitir ao mundo o
sofrimento. (Acho que ele entendeu bem sobre como fazer um proveito da
dor). Assim como a alegria nós festejamos, a tristeza também merece reverência.
Então, seu livro vira best-seller, onde se torna a autoajuda da sociedade. Mas
ele, aos poucos vai percebendo que a metade em público está intacta: superado.
E a metade que o esconde: ainda não superou.
A metade
que nos esconde ela nunca está a olho nu. Ela nunca está visível para nós
mesmos. Essa metade é um labirinto, é a imensidão que não enxergamos. Essa
metade que escondemos, é a mesma que camufla a gente. É aquela que dizemos: sim
estamos felizes, só que na verdade, não. É aquela que diz ao mundo: eu superei.
Mas lá dentro há alguém vulnerável. É aquela que diz: eu sou forte. Mas lá
dentro é apenas alguém que está indefeso.
A metade
que nos esconde, é aquela vontade que reprimimos. É a verdade que não temos
coragem de dizer. Essa metade que sempre ajuda, e às vezes precisa ser ajudado.
A metade que nos esconde ela não dá mole, é aquela que quer traquinagem. É
aquela que quer brincar de esconde-esconde, e mal sabe que já está escondido. A
metade que nos esconde é a mesma a do sofrimento, do lamento, aquela que não
sabe dar explicações de tão difícil de ver sua cara. A metade que nos esconde é
o sofrimento que pensamos e nunca agimos.
Essa
metade é o abismo iminente. Essa metade é o precipício da nossa existência. É a
esperança viva e a expectativa zero. É o choro do que ainda não aconteceu, é a
antecipação do sofrimento. Essa metade não tem vocação para o comportado. Essa
metade é aquela coisa que não entendemos, apenas sentimos. Essa metade é o
medo, os traumas de infância. Essas são as metades que nunca se estruturam por
inteiro tornando-se um só.
A metade
que nos esconde é aquela que mente deliberadamente para si mesma. Essa metade é
a mesma que cria respostas que não condizem com o caráter. É a que cria
personagens para se defender das curiosidades alheias. São as fantasias que não
expomos para o mundo. São os questionamentos da própria existência. A metade
que nos esconde, é a caixa de surpresa, nunca se sabe o que há lá dentro.
Enquanto
isso a outra, aquela metade exposta ao mundo, sempre dizendo: “está tudo bem.
Logo passa. O tempo cura”. E assim vai acontecendo às brigas entre uma metade e
a outra. Até que um dia acordamos asfixiado, com uma angustia inexplicável. Uma
dor que não se sabe de onde nasce.
A metade interna tem a boca, a voz. A metade
externa tem a perspicácia que sempre vai onde nunca ninguém foi. Essas duas
metades sempre estão em guerra. Mas chega uma hora em que é preciso olhar de
frente para as duas: o espelho do reflexo e o espelho da alma. Encarar e
fazer as pazes. E para fazer isso, existe um processo que cada um tem o seu.
Trazer a felicidade é um estado de espirito do nosso inconsciente para o nosso
consciente. Mas fazer essas duas felizes para sempre. Impossível. Uma hora
essas duas metades voltam a brigar de novo. Fazendo todo o processo novamente.
Essas são as duas metades, que fazem um inteiro de nós.
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